sábado, 18 de abril de 2009

Sobre o atual estágio da CHEIA NOS RIOS DA AMAZÔNIA EM 2009

A cheia dos rios da Amazônia em 2009 se apresenta como um forte evento que pode superar a de 1953. Essa frase tem sido escrita e pronunciada por diferentes meios de comunicação e autoridades nacionais. Na Universidade do Estado do Amazonas – UEA, o Núcleo de Meteorologia e Hidrologia, juntamente com os parceiros da Rede de Meteorologia e Hidrologia do Estado do Amazonas (REMETHI), vem monitorando o evento, analisando os níveis dos rios em estações hidrométricas na região, para que uma vez passado o período da cheia de 2009, possamos ter como analisar melhor e com mais propriedade tanto a magnitude quanto os reais motivos que a ele deram causa.

O que podemos dizer, por hora, é que se trata de um evento forte (níveis muito altos) e de dimensões regionais. Ou seja, envolve vários tributários do Rio Amazonas, de grandes dimensões. Assim é que, o Rio Solimões, por exemplo, subiu anomalamente, no mês de janeiro, cerca de 5 metros em pouco mais de 20 dias. A variação média histórica neste mesmo período é de aproximadamente -0,3 metros. Ou seja, normalmente tenderia a descer ligeiramente no início do ano, após o que deveria subir em ritmo suave. Essa anomalia se deveu a uma forte concentração de chuvas na região leste da bacia Amazônica, especialmente na alta bacia do Rio Marañon (formador do Solimões) acima da cidade peruana de Nauta. Além disso, o Rio Napo também esteve com níveis acima da máxima histórica, especialmente nos meses de janeiro e início de março, tendo sofrido, também, o efeito das chuvas do início do ano. Os demais formadores fora do Brasil, o Rio Ucayali, por exemplo, tem se mostrado com níveis abaixo da média. O resultado pode ser visto na estação de Tamshiyacu (próxima a Iquitos).

Somente a subida do Rio Solimões não seria suficiente para resultar na cheia forte do ano de 2009 na Amazônia Brasileira. Como a cheia deste rio se antecipou em relação à condição de normalidade, a mesma gerou um reforço na subida do Rio Negro em Manaus, por exemplo (Foto 1). Ou seja, como o Rio Solimões é mais potente (vazão e velocidades maiores) que o Rio Negro, ele barra o fluxo deste último elevando o seu nível que naturalmente encontra-se em período de subida nesta época do ano. Efeito semelhante aconteceu em outros tributários.

Foto 1. Vista aérea do Rio Negro em Manaus no dia 15/04/2009 mostrando o nível extremamente alta das águas para esta época do ano. Ver detalhe da estrada de acesso à futura ponte na porção centro-direita da imagem.

Neste ano, portanto, o efeito de barragem hidráulica do Solimões sobre o Negro, esá sendo reforçado pela alta prematura do Rio Solimões. Na seqüência, o Rio Madeira, que em condições normais tem o pico de cheia antes daquele do Solimões, neste ano está coincidindo com os níveis anomalamente altos do Rio Solimões, colocando ainda mais água no sistema. Isso também tem elevado de forma bastante rápida os níveis do Rio Amazonas detectados na estação da cidade de Óbidos-PA, a estação de controle mais importante da região, já que integra pelo menos 80% de toda a água que flui da bacia Amazônica para o Oceano.

Adicionalmente, as chuvas concentradas na porção oeste da bacia no mês de janeiro, parecem ter alimentado também os cursos: médio e baixo de outros tributários da calha do Rio Solimões, especialmente os da margem direita (Javari, Juruá e Purus). Adicionando-se a isso o final da cheia do Madeira (próximo) leva a imaginar um arrefecimento do evento, especialmente em Óbidos. No entanto, o Rio Negro ainda deve demorar cerca de 2 meses para chegar no ponto máximo de cheia, atingindo especialmente a cidade de Manaus e região, associando-se ao Rio Solimões, que ainda não parou de subir (Foto 2).

Foto 2. Vista aérea do Rio Solimões em Tabatinga (17/04/2009), mostrando que o rio nesta localidade ainda não alcançou seu nível máximo em relação à úlitma cheia (ver áreas de vegetação verde clara na porção centro-direita da foto próximas às margens do rio).

Resumindo:

Uma coincidência relativamente rara na combinação de eventos de cheia antecipada e subida anômala do Rio Solimões, com os períodos normais de subida de alguns dos principais rios da bacia Amazônica (notadamente Negro e Madeira), tem configurado o atual evento de cheia de 2009. Fortes chuvas, principalmente no mês de janeiro concentradas na porção oeste da bacia, especialmente nas sub-bacias dos rios Marañon e Napo originando fortes fluxos no Rio Solimões, parecem ter motivado tal coincidência.

Os níveis dos rios da região, em geral, devem continuar subindo por pelo menos mais 2 meses e têm sido monitorados, tanto pelo grupo do NMH da UEA com o Instituto Max Planck, pela ANA, CPRM e Rede ORE/HYBAM no Brasil e no Peru. Por conta do grande tamanho da bacia os efeitos deverão ser bastante heterogêneos, mesmo na calha do rio principal. Ou seja, em diferentes localidades os níveis máximos poderão não ser os historicamente mais altos já registrados, enquanto em outras localidades serão muito provavelmente os níveis mais altos dos últimos 60 anos. A estação de Óbidos, no Pará, é a que tem mostrado a tendência mais forte para um evento recorde, seguida pela estação de Manaus. Os gráficos relativos aos níveis dos rios tanto destas estações quanto das demais localidades monitoradas podem ser visualizados no site: http://remethi.org/, no item serviços/níveis dos rios.